segunda-feira, 14 de junho de 2010

Elogios e críticas sobre o final de Lost – spoilers aos tubos


Terminei esta semana de assistir à sexta temporada de Lost, atrasado, mas nem tanto. Desta vez, não resisti e copiei os arquivos do amigo Danilo Carneiro (@DaniloCarneiro), devorando a série em apenas um fim de semana. Abaixo, minha opinião sobre o final do programa.

PURGATÓRIO

O nosso pior pesadelo se concretizou. Lost acabou como todos temíamos, e como os produtores prometeram que não terminaria: os personagens estavam mortos!

Não mortos no acidente, mas o efeito foi o mesmo. Se todos chegariam àquele mesmo destino, de que valeu PARA A ILHA todas as provações pelas quais eles passaram? Não seria melhor todos morrerem na 1ª temporada, como Shannon e Boone, uma vez que terminariam no mesmo ponto final?

O último episódio deixa claro que tudo o que foi feito PELA ILHA e pelos 40 sobreviventes foi em vão. Serviu, sim, para REDIMIR cada protagonista de seus traumas e pecados. Assim, a ilha acabou sendo exatamente um purgatório, nada mais do que isso, portanto a premissa de que todos morreram na queda do 815 é de certa forma verdadeira, embora os produtores tenham negado isso veementemente.


OS MÉRITOS DE LOST

Antes de metralhar a sexta temporada, vamos falar um pouco sobre as coisas boas que Lost nos deixou. Não há como negar: a série já é um clássico. E o que é ser um clássico? É aquilo que inspira e lança tendências. Lost foi a grande série dos anos 2000, assim como Arquivo X e Friends foram os destaques dos anos 90.

Alguns dizem que se arrependeram de ter assistido seis temporadas após ver a conclusão “bizonha” que o seriado teve. Eu digo com toda a certeza de que não me arrependi. Lost teve mais méritos do que defeitos – e talvez o erro crucial tenha sido essa propaganda de que os “produtores sabiam de tudo”. Essa premissa acabou se revelando mentirosa e só serviu para elevar as expectativas – que se transformaram em decepção para muitos.

Mistérios e Conflito – Lost teve o mérito de nos colar à televisão, talvez como nenhum outro programa. Isso se deve a dois fatores. Primeiro, pelos mistérios não respondidos, que nos obrigavam a botar a cabeça para trabalhar e criar nossas próprias teorias. Mas principalmente por que a série tinha CONFLITO.

No jargão literário, conflito NÃO significa briga, lutas, combate. Diz respeito a situações conflitantes em todos os níveis: religião x ciência, homem x natureza, sobreviventes x dharma, dharma x hostis, sobreviventes x fumaça, além dos conflitos internos de cada personagem.

Galera, uma boa história precisa de CONFLITO, e foi isso o que fez Lost ser um grande sucesso. O resultado do conflito é a TENSÃO, é o que nos fazia roer a unha aguardando o próximo episódio e imaginar qual seria o desenrolar de determinada trama ou situação.

Colcha de retalhos – Outro mérito foi a forma primorosa como os roteiristas encaixaram tantas referências da cultura pop, principalmente de peças dos anos 50, 60, 70 e 80. Não raro alguém chega para mim dizendo que a série foi “baseada” em determinado livro ou filme que viu. No meu caso, faço o incrível paralelo com o seriado Elo Perdido (década de 70), que conta a história de uma família que cai numa dimensão alheia ao espaço-tempo e fica presa em um loop temporal, o que a impede de voltar para casa. Também me lembra a série de jogos de computador Myst e Riven, com suas ilhas carregadas de eletromagnetismo e instruções em livros áudio-visuais.


NÃO FALTARAM RESPOSTAS, FALTOU COERÊNCIA

Agora os disparos. Guns blazing. Saiba o que me fez ficar decepcionado com o fim de Lost.

Incoerências – Falou-se muito na falta de respostas. Eu acho que os fãs na verdade não queriam respostas. Assim como eu, eles queriam ver uma história com COERÊNCIA, e isso realmente faltou.

Não era necessário, por exemplo, explicar o que era a fumaça (a explicação mística da quinta temporada já bastava). Não era preciso dar respostas óbvias, mas era imperativo, SIM, SUGERIR ideias que fizessem sentido.


Fumaça – Por exemplo, se Ilana falou que a fumaça só podia projetar a forma de gente morta, como ela assume a imagem de Walt? Se a fumaça não podia sair da ilha, como ela aparece para Jack no hospital, como Christian Shephard? E se não era a fumaça, por que o detector de fogo apitou? Ou será que Jack podia ver fantasmas, como o Hurley? Quando isso é sugerido?

A luz – E a luz. Por que os sobreviventes não conseguiam vê-la antes? Tudo bem que isso não precisava ser dito para o público, mas a incoerência é que os personagens iriam querer saber – e nem sequer perguntaram!

Cerca sônica – Mas a pior das incoerências ainda diz respeito ao “monstro”. Tudo bem a cerca sônica impedir o ingresso de uma criatura mística – bizarro, mas tudo bem. Agora, porque a maldita fumaça simplesmente não SOBREVOAVA a cerca?


Impossível destacar todos os “furos” que ficaram no caminho. Neste ponto, deixa a nova trilogia de Star Wars no chinelo.

ANÁLISE DAS TEMPORADAS

As respostas dadas na sexta temporada deixaram claro que a série seguiu o seguinte processo.

Primeira temporada – os produtores não sabiam o rumo que a série iria tomar, mas tinham uma linha-mestra, que provavelmente teria a ver com espaço-tempo e universos paralelos. Mais nada. Estabeleceu-se aqui uma identidade narrativa (flashbacks, conflitos, tensão, mistérios), que prosseguiria a mesma até o fim.


Segunda temporada – Para mim, a melhor. Aqui teve origem a mitologia de Lost, e os roteiristas começaram a definir que rumos a história tomaria. Foi criada a Dharma e introduziu-se novos personagens, como os sobreviventes da cauda. A escotilha foi a grande estrela deste período, bem como o conflito e o misticismo envolvendo “Os Outros”.

Terceira temporada – Sem data para encerrar a série, os produtores começaram a enrolar. O tema central escolhido para movimentar a temporada foi a Dharma e sua atividade na ilha. Aqui os roteiristas começaram a trilhar um caminho mais próximo à ficção científica, com as estações de pesquisa e as sugestões de viagem no tempo, incluindo o vídeo de orientação da Orquídea, lançado na ComicCon (veja aqui).


Quarta temporada – Definido que haveria seis temporadas, a tarefa agora era desenrolar o novelo e desatar os nós. Com a chegada da tripulação do cargueiro e a saída de alguns personagens da ilha, o programa tomou uma outra dimensão, com corporações por trás dos eventos, e assumiu uma linha mais mística, mostrando que a ilha também tinha poderes sobrenaturais no mundo exterior (impedindo que Michel se matasse, por exemplo).

Quinta temporada – Toda a quinta temporada foi um ensaio para levar os personagens ao ponto onde a sexta começaria. Aqui eles definiram como tudo ia terminar, e precisavam obrigar os heróis a sair de um ponto e chegar ao outro, a qualquer custo, resultando em situações improváveis. A decisão de explodir a bomba foi forçada ao extremo. Os outros 40 sobreviventes morreram, sumiram ou simplesmente foram esquecidos em meio aos saltos temporais (a exceção é Rose e Bernard). O que uma bomba de hidrogênio estava fazendo na ilha? Estava a bordo de algum navio? Não era qualquer navio de guerra que carregava bombas atômicas da década de 50. É possível? Sim, mas forçado.


SEXTA TEMPORADA – A tarefa de desfazer o novelo que não havia sido desenrolado em duas temporadas acabou jogada para a sexta. O resultado foram decisões fáceis e ridículas para problemas complexos. Exemplos. De todas as explicações para o Black Rock aparecer na selva, usaram a mais óbvia: um tsunami. A estátua gigante foi destruída pelo impacto de um navio de madeira (ahã?). Desmond sobreviveu à explosão da escotilha por ser “resistente ao magnetismo”. Como assim? Super-herói? E o Mr. Eko. E Charlie? Se fosse isso eles também teriam morrido, uma vez que estavam nos corredores quando tudo veio aos ares, e não fora da estação.

METÁFORAS #FAIL

A proposta de entender o fim da série como uma metáfora também não faz sentido. Antes, vamos entender o que é uma metáfora.

A metáfora pega uma situação concreta, do mundo real, que o espectador pode entender, e a lança à luz de um entendimento maior. Por exemplo, quando a Bíblia diz que devemos “separar o joio do trigo”, a mensagem serve para comunicar o agricultor da época que ele deve pegar o que é bom e se livrar do que é mal.


Não há metáforas no fim de Lost, pois não existem situações concretas. O que existem são teorias, que o público formula livremente, mas sem qualquer base no real.

Se QUALQUER TEORIA, sobre QUALQUER COISA pode se encaixar no final de Lost, isso não é bom, porque não há sugestões dos produtores sobre nada concreto.

Lost Valeu! - No final das contas, Lost valeu. Até mesmo a sexta temporada valeu. E valeu principalmente para a gente entender que às vezes o que vale não é o destino, mas sim a jornada para alcançá-lo.

LINKS

» Vídeo de orientação da Estação Orquídea
» Nerdcast 210 - LOST: 5 teorias antes do fim